ARTISTAS
Arte do Século XIX. Início do século XX
A independência do Brasil, em 1822, assinalou grandes transformações para o panorama artístico nacional, cristalizadas em torno de uma nova instituição inaugurada oficialmente pelo governo imperial em 1826: a Academia Imperial de Belas Artes. Nela se formou uma geração de artistas que contribuíram para a criação e a consolidação de uma nova estética oficial e de uma nova imagem para a jovem nação.
Os alunos da Academia cursaram diversas disciplinas específicas nos campos do desenho, da pintura, da escultura e da arquitetura e, a partir de 1840, eram avaliados e classificados pelo mérito artístico por meio de prêmios obtidos nas Exposições Nacionais de Belas Artes. Entre tais distinções, a mais cobiçada era o prêmio de viagem ao exterior, que concedia ao vencedor financiamento para estudar nas academias francesa e italiana e lhe abria as portas para encomendas e cargos oficiais quando voltasse ao Brasil.
Poucos artistas negros conquistaram esse prêmio máximo. Rafael Frederico e Arthur Timótheo da Costa constituem duas notáveis exceções, embora tardias, já no período republicano. A Academia não era uma instituição muito elitizada, pois a maior parte dos seus alunos advinha das classes livres pobres, já que os filhos das famílias ricas costumavam seguir carreiras mais práticas. Contudo, isso não significa que ela tenha se mantido livre das barreiras sociais e do preconceito racial que dominavam a sociedade brasileira. Quer por conta desse preconceito, quer devido a uma situação material mais precária, o fato é que os artistas negros tenderam a obter pouco prestígio dentro da Academia. Essa marginalidade se agravou pelo fato de que o Império atribuiu grande relevância à Academia e reduziu a importância das corporações de ofícios que, no período colonial, eram responsáveis pela produção artística e contavam com grande número de negros.
Não é que a Academia excluísse de imediato os artistas negros ou mestiços – e nem poderia fazê-lo, já que, em seu início, estes constituíam o “estoque” natural de talentos com que ela poderia contar.
Assim, nela destaca-se desde logo o escultor Chaves Pinheiro, mulato, bem como toda a plêiade de pintores negros que mais tarde aí viria se formar: Estevão Silva (1845-1891), Antonio Rafael Pinto Bandeira (1863-1896), Antonio Firmino Monteiro (1855-1888), os irmãos João (1879-1932) e Artur Timotheo da Costa (1882-1922). Há ainda Emanoel Zamor (1840-1917); pintor nascido em Salvador e que, adotado ainda na infância por um casal francês, desenvolveu toda sua carreira em França, deixando-nos um pequeno número de obras só recentemente resgatadas do olvido.
O que caracteriza esses pintores, apesar de pequenas diferenças em suas trajetórias, é o fracasso em que termina sua obra e a tragédia que encerra sua vida. Quando o trabalho deixa de ser corporativo, cada artista é obrigado a viver da sua própria produção e, apesar do reconhecimento e do êxito momentâneo de cada um, todos acabam sofrendo de algum modo com o peso do preconceito e da discriminação de que não podem deixar de ser vítimas. A esses pintores certamente não terá faltado talento, mas a possibilidade de verem reconhecido seu valor, individualmente, no seio da sociedade escravocrata do século XIX.
E, com o empobrecimento generalizado e o descaso pelas artes depois do fim do Império, os artistas negros no Brasil praticamente desapareceram nesse período.
*Emanoel Araújo
O Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira – MUNCAB reúne em seu acervo um conjunto diverso de artistas que representam a força criadora da cultura afro-brasileira e afrodiaspórica. São nomes que atravessam gerações, estilos e linguagens, unidos pela capacidade de transformar memória, ancestralidade e experiência em arte contemporânea.
Os artistas que fazem parte da coleção materializam o espírito do MUNCAB: um espaço onde arte e cultura negra se encontram com o propósito de provocar reflexões e projetar novos futuros. Cada obra no acervo é um testemunho vivo da presença negra na arte brasileira e um convite ao público para conhecer a profundidade e a diversidade dessa produção.
Estevão Silva (Rio de Janeiro/RJ – 1845-1891)
Pintor. Filho de escravizados africanos, Estevão Silva ingressou na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1864. Foi aluno de Georg Grimm, Vítor Meireles, Jules Le Chevrel e Agostinho José da Mota, de quem recebeu forte influência na pintura de naturezas-mortas. Lecionou no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Manteve relações com o Grupo Grimm, cuja proposta era a observação direta da natureza, substituindo a apreciação entre quatro paredes, porém não rompeu com a Academia.
Na Exposição Geral de Belas Artes, conquistou a medalha de prata nos anos de 1876 e 1879, a medalha de ouro de segunda classe em 1884 e o prêmio aquisição no ano de 1890. Quando, contrariando todas as expectativas, não recebeu o primeiro prêmio na Exposição Geral de Belas Artes de 1879, protestou durante a sessão solene diante do próprio Imperador, o que lhe rendeu a suspensão dos estudos por um ano.
Sob muitos aspectos, Estevão Silva é considerado um dos maiores pintores brasileiros de natureza-morta, destacando-se especialmente no tema das frutas tropicais, embora também tenha praticado o retratismo e a pintura histórica, religiosa e alegórica, sem, contudo, alcançar nesses gêneros a mesma notoriedade.
José Teixeira Leite avalia que o artista "soube captar, numas poucas laranjas ou limões, numa melancia, numa simples penca de bananas, toda a sua rústica poesia." Segundo Duque Estrada, “é difícil e até parece impossível pintar frutos melhor do que os tem pintado Estevão”. Para o crítico, "o colorido quente, intenso, gritalhão de seus frutos, reunido à escuridão das sombras, dá aos quadros, mesmo aos menores, um aspecto de rudeza que domina e destrói a maciez aveludada, a delicadeza voluptuosa com que tratava alguns espécimes da natureza frutífera dos trópicos.”
Antônio Firmino Monteiro (Rio de Janeiro/RJ, 1855 – Niterói/RJ, 1888)
Pintor. Teve uma juventude pobre e exerceu as profissões de encadernador, caixeiro e tipógrafo antes de se matricular aos 18 anos na Academia Imperial de Belas Artes, onde estudou com Vítor Meireles, Agostinho José da Mota, Antônio de Pádua e Castro e João Zeferino da Costa. Em 1880, obteve auxílio financeiro do imperador Pedro II para estudar na Europa, onde permaneceu por apenas alguns meses, mas repetiu a experiência em 1885 e 1887. Lecionou na Escola de Belas Artes da Bahia e no Liceu de Artes e Ofícios de Salvador. Participou da Exposição Geral de Belas Artes, nas edições de 1879 (quando conquistou a segunda medalha de ouro), 1882, 1884 (em que recebeu do imperador o título honorífico imperial da Ordem da Rosa), 1885 e 1887.
Destacou-se primeiramente nas paisagens, que pintava ao ar livre de forma bastante pioneira, antes da chegada de Georg Grimm ao Brasil. Suas obras nesse gênero, segundo o crítico José Teixeira Leite, revelam uma "bem cuidada perspectiva e perfeita integração dos planos" e mostram-se "cheias de lirismo e dominadas por funda nota de melancolia, por alguma ancestral, mal dissimulada, tristeza. Nostálgicas, mas sem descambar para o sentimental, superiormente resolvidas no que respeita à cor, desenho, textura, composição". Para Duque Estrada, eram "feitas com um sentimento finamente melancólico, algumas de uma suavidade apaixonada e saudosa, outras ásperas, secas, vencidas pela soalheira de dezembro".
No final da vida, dedicou-se à pintura religiosa e histórica, gênero no qual não obteve grande reconhecimento – o que Gonzaga Duque e José Teixeira Leite atribuíram a um estudo imperfeito da anatomia humana. Contudo, para Caren Maghrebian, suas telas históricas tinham um olhar inovador sobre os sujeitos históricos, retratando o protagonismo de pessoas comuns, sem a pompa idealizada comum ao gênero.
O município de Niterói encomendou-lhe uma grande tela sobre a abolição da escravidão, mas Antonio Firmino faleceu antes de concluí-la.
Rosalvo Ribeiro (Maceió/ Alagoas. 1865- 1915)
Rosalvo Ribeiro mudou-se com a família para a capital de seu estado-natal aos quinze anos de idade. Aos vinte, ingressa na Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro. Conquista a pequena medalha de ouro da Academia no mesmo ano de seu ingresso.
Em 1888, com bolsa concedida pelo governo alagoano, viaja para Paris, a fim de aperfeiçoar-se na Academia Julian, onde estuda com Jean-Baptiste-Édouard Detaille, um dos mais reputados pintores de temas militares na França do século XIX. A temática e estilo de Detaille exercerão grande influência na produção francesa de Rosalvo Ribeiro, manifestos inclusive na tela La charge ("A carga"), de tema militar, exposta no Salon de 1898 com relativo sucesso. Aprovado em primeiro lugar na modalidade desenho em concurso, passa a frequentar a École des Beaux-Arts de Paris, sob a tutela de Jules Lefèbvre, professor do também brasileiro Belmiro de Almeida. Conclui seus estudos com Léon Bonnat.
A exemplo do que fariam muitos pintores franceses ao término do século XIX, como Germain David-Nillet, interessa-se pela pintura de interiores obscuros holandeses, à maneira de van Ostade, e viaja para a Bretanha onde produz obras representativas da pintura de gênero (Notícias desagradáveis, 1896; Interior com duas crianças, 1899), muito admiradas pelo aguçado espírito de observação e suave luminosidade.
Em 1901, após doze anos residindo na França, regressa ao Brasil, fixando residência em Maceió. Recebeu menção honrosa na 13ª Exposição Geral de Belas Artes em 1906, e volta a expor na edição seguinte. Dedica-se ao ensino e à retratística local até sua morte, em 1915. Teve, entre seus alunos, Virgílio Maurício. Em seu Dicionário brasileiro de artistas plásticos, Walmir Ayala o definiria como "artista de sólida e consistente construção técnica, de cor agradável, dominando com maestria o desenho e a perspectiva."
Em 1945, o Museu Nacional de Belas Artes lhe dedicou uma pequena retrospectiva.
João Timótheo da Costa (Rio de Janeiro/RJ – 1879-1932)
Pintor e decorador. Nascido de uma família pobre e numerosa, iniciou suas atividades como aprendiz na Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Em 1894, ingressou juntamente com o irmão, Arthur Timótheo da Costa, na Escola Nacional de Belas Artes, onde estudou com Daniel Bérard, Rodolfo Amoedo e Zeferino da Costa. Também cursou aulas de gravura no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Entre 1910 e 1911, esteve na Europa como membro do grupo contratado para decorar o pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Turim de 1911, junto com seu irmão e com Carlos e Rodolfo Chambelland.
Aproveitou a viagem para conhecer museus na Itália, França, Suíça e Espanha, tendo sido marcado pela obra de Puvis de Chavannes e pelo pontilhismo. De volta ao Brasil, foi contratado para executar a decoração de instituições cariocas de prestígio. Defendeu a abertura de escolas livres de arte, onde pudesse haver maior liberdade de escolha aos artistas, de modo que ficasse reservada à Escola Nacional de Belas Artes a instrução dentro dos moldes acadêmicos.
Faleceu em 1932, internado no Hospício dos Alienados do Rio de Janeiro, afastado havia tempo da pintura. Participou de diversas edições da Exposição Geral de Belas Artes a partir de 1906, conquistando prêmios de menção honrosa (de segundo grau em 1906 e de primeiro grau no ano seguinte), a pequena medalha de prata em 1913, a grande medalha de prata em 1919 e a pequena medalha de ouro no Salão de Outono de 1926.
Sua produção abundante contempla todos os gêneros da pintura – o retrato, a paisagem, a figura, a marinha, a pintura histórica e a pintura anedótica e de costumes –, além da gravura em metal. Para o crítico José Teixeira Leite, destacam-se especialmente os nus masculinos, mas também "os retratos e de modo geral as figuras e as paisagens, de belo desenho e sensível colorido". Francisco Acquarone e A. de Queiroz Vieira Lhe atribuíram um certo expressionismo. O artista afirmou certa vez que a paisagem brasileira não favorece a pintura, por ser "uma beleza difícil por excesso de luz", que prejudica os contrastes e planos.
Arthur Timótheo da Costa (Rio de Janeiro/RJ – 1882-1922)
Pintor, decorador e cenógrafo. Nascido de família pobre e numerosa, era irmão mais novo de João Timótheo da Costa; como ele, iniciou seus estudos na Casa da Moeda, como aprendiz de desenho de moedas e selos. Paralelamente, trabalhou por cinco anos com o cenógrafo italiano Oreste Coliva, adquirindo uma certa dramaticidade que viria a influenciar sua obra.
Em 1894, ingressou, juntamente com seu irmão, na Escola Nacional de Belas Artes, onde foi aluno de Daniel Bérard, Zeferino da Costa, Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli.
No Salão Nacional de Belas Artes de 1906, recebeu uma menção honrosa de primeiro grau e, no ano seguinte, após a desistência de Eduardo Bevilacqua, conquistou o prêmio de viagem à Europa. Instalou-se em 1908 em Paris e expôs no Salon, mas também percorreu a Espanha e a Itália antes de retornar ao Brasil em 1910. Voltou novamente à Europa em seguida, contratado pelo governo brasileiro para colaborar, junto com seu irmão e com Carlos e Rodolfo Chambelland, com os trabalhos decorativos do pavilhão brasileiro na Exposição Internacional de Turim de 1911. Obteve no Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a pequena medalha de prata em 1913, a grande medalha de prata em 1919 e a grande medalha de ouro em 1920. Sua produção foi reduzida nos últimos anos de vida e faleceu no Hospício dos Alienados do Rio de Janeiro.
Dedicou-se especialmente à pintura de figuras e paisagens, destacando-se nos nus femininos e retratos.
Atribui-se a ele uma tendência pré-modernista nas obras da maturidade, que se aproxima para José Teixeira Leite, "do Expressionismo ao fazer uso de um colorido dramático, de um desenho quase taquigráfico e de uma caligrafia pictórica nervosa e encrespada", gerando reações de repúdio de comentadores contemporâneos, que lhe atribuíram falhas de desenho e volumetria. Contudo, segundo o crítico, Arthur Timótheo "nunca pautou sua arte pela cega obediência aos cânones acadêmicos, pouco lhe importando a fidelidade ao modelo ou a plasticidade de suas figuras". Toda a sua preocupação ia, muito ao contrário, para a cor e para a textura, e através dela, para a expressão."
Arte do século XX. Arte Moderna. Arte Genuína e Arcaica. Arte Contemporânea
Importantes obras de arte foram criadas por mãos afro- brasileiras, desde a metade do século XX até os dias atuais. Pintores, escultores, gravadores marcaram a arte nacional. Entre os artistas indicados temos como referência da arte moderna geométrica, Almir Mavignier; da arte moderna Mestre Didi, Octavio Araujo, Hélio Oliveira, José de Daomé e José Maria; da arte moderna figurativa Yeda Maria. A arte consagrada por Clarival de Valadares como genuína e arcaica, nomeação que ressignifica a intitulada arte popular, temos como representantes para a aquisição que funda o acervo do Museu Nacional da Cultura Afro Brasileira Agnaldo Manoel dos Santos, Heitor dos Prazeres, Madalena dos Santos Reinbolt.
A classificação dessa arte e desses artistas como modernos, contemporâneos, eruditos ou genuínos e arcaicos é tarefa a ser completada em outro momento de pesquisa. É bastante comum observar que diversos desses artistas são considerados representantes de diferentes movimentos da arte, a depender do crítico que realiza as considerações sobre suas obras. O fundamental é a marca deixada por eles na memória e no imaginário nacional. Contudo, isso não significa que eles tenham se mantido livre das barreiras sociais e do preconceito racial que dominavam a sociedade brasileira.
Para compor a justificativa de aquisição de obras de arte, com valor artístico e histórico, criadas por artistas afro-brasileiros no período anteriormente citado segue uma pequena biografia de cada um dos artistas.
Agnaldo Manoel dos Santos (Mar Grande/BA, 1926 – Salvador/BA, 1962)
Escultor. Com descendência africana e indígena, começou a trabalhar aos dez anos de idade em diversas ocupações, inclusive como mineiro em uma caieira. Em 1947, tornou-se vigia no estúdio de Mário Cravo Jr., onde manifestou pendor artístico e começou a produzir suas próprias obras em 1953.
Suas primeiras esculturas já manifestavam um forte poder expressivo e uma estética que se aproximava da arte tradicional africana, muito embora ele nunca a tivesse estudado – alguns críticos chegaram a atribuir essa semelhança a uma memória ancestral atávica. Pierre Verger lhe apresentou fotografias de esculturas africanas, de onde Agnaldo adotou a técnica de impregnar a madeira com substâncias pretas, aproximando-se ainda mais da escultura africana. Sua primeira exposição individual lhe valeu uma comissão para viajar à região do rio São Francisco, lá conheceu escultores populares de carrancas e estudou com Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany. Participou, em vida, de exposições coletivas no Salão Baiano de Belas Artes em 1956 (onde obteve medalha de prata), na IV Bienal de São Paulo, em 1957, e no Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro de 1959 e 1961.
Sua primeira exposição individual ocorreu em 1957, na Petite Galérie, do Rio de Janeiro. Obteve, postumamente, o prêmio de escultura na exposição do I Festival de Artes Negras, em 1966 em Dacar, com a obra Rei. Sua obra é preponderantemente antropomórfica, esculpida em madeira de ipê, jaqueira, pau d'arco e cedro, com temáticas relativas à maternidade, ao catolicismo e à religiosidade afro-brasileira. Se o crítico José Teixeira Leite ressaltou sua continuidade com a escultura africana, Clarival do Prado Valladares destacou suas múltiplas influências, afirmando que suas figuras "se aproximavam, de uma parte, dos arquétipos da cultura tribal africana, na medida em que estes encerram em si um simbolismo da fecundidade, do rito da morte e do rito agrário, e, de outra parte, dos protótipos da iconografia católica medieval, tais como se manifestam no Brasil através das obras dos santeiros do século XVII". Lélia Coelho Frota também destaca a presença de "sobrenatural afro e também de imaginário transculturado com o do catolicismo". Assim como ela, Francisco Ramos Neto caracterizou Agnaldo como "original, espontâneo, numa palavra, absolutamente único".
Almir Mavignier Rio de Janeiro, 1925.
Almir Mavignier começou a pintar no Rio de Janeiro em 1945 e após quatro anos de estudo passou a explorar o abstracionismo. Em 1951 vai para a Europa onde se estabelece em Paris, começando a trabalhar com pinturas concretas. No ano seguinte participa do “Salon des Réalités Nouvelles” e muda-se para a Alemanha, neste período frequenta as aulas de Max Bill no Hochschule für Gestaltung em Ulm.
A partir de 1956, Mavignier realizou experiências com Op Art, criando seus primeiros trabalhos monocromáticos. Nos anos seguintes o artista participou de diversas exposições importantes, entre elas a Bienal de Veneza (1964) e a Documenta III de Kassel (1964 e 1968).
Além de sua atividade como artista, Mavignier passa a atuar como professor no Staatliche Hochschule für Künste em Hamburgo a partir de 1965. A partir daí Mavignier tem participado de diversas exposições coletivas e individuais no mundo todo.
A sutileza do pensamento e da imaginação plástica de Almir Mavignier vai muito além de uma simples geometria, ele faz dos seus elementos plásticos um turbilhão de sensações eletrizantes pela progressão das linhas e dos pontos numa relação dinâmica da forma e da grandeza métrica e da imaginação plástica, puramente plástica.
Edival Ramosa de Andrade (São Gonçalo/RS - 1940)
Pintor e escultor. Atuou como integrante do Batalhão Suez no Egito em 1962, visitando também países europeus. No ano de 1964, fixou residência em Milão, onde trabalhou com Pomodoro, Fontana e Baj e realizou, em 1965, sua primeira exposição individual. De volta ao Brasil em 1974, estabeleceu-se em Cabo Frio/RJ. A partir de 1965, participou de mostras coletivas (na Itália, na Inglaterra e na Iugoslávia) e realizou exposições individuais na Itália, Austrália, Bélgica e em diversas cidades brasileiras.
A princípio, influenciado por artistas europeus e norte- americanos, praticou um estilo construtivista, com jogos ópticos e referências à visualidade urbana e usando materiais como madeira esmaltada, aço inoxidável e acrílico. A partir da década de 1970, estabeleceu um diálogo com a estética indígena brasileira (sendo o próprio artista de ascendência indígena), passando a empregar materiais como palha, peles, plumagens, miçangas e bambus. Roberto Pontual afirmou que “o refinamento, a elegância e o asseio tecnológico de antes se fundiram, agora, a um contraponto ritualístico [...]. Passado e presente, arcaísmo e civilização, tribo e cidade ali novamente se reagrupam.” Para Jaime Maurício, “consciente de que o índio brasileiro utilizou em sua atividade artística recursos e inspiração comuns à arte de outros povos – funcionalidade, simetria, ritmo, respeito às peculiaridades dos materiais usados – Ramosa sabe que pode mostrar-se indianista sem rejeitar o que há de mais sofisticado em sua experiência européia. [...] Sem lançar manifesto antropofágico, Edival Ramosa faz um campeão do arsenal rítmico, mágico, cromático e místico da cultura afro-indianista de sua terra e de seu sangue, apresentando-o numa aura que confere a este arsenal plena circulação universal”.
José Maria (Valença/BA 1935 – Salvador/BA 1985).
Estudou gravura com Mário Cravo e desenho com Juarez Paraíso na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBa).
Hélio de Souza Oliveira (Salvador/BA – 1929-1962)
Gravador. Neto do pai-de-santo Procópio de Ogunjá, de quem deveria ter sido o herdeiro espiritual, estudou gravura e pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. a expor em 1958, mas sua carreira artística foi interrompida pela morte prematura, aos 33 anos de idade. Atuou também como consultor técnico para assuntos afro-brasileiros no filme Barravento, de Glauber Rocha (lançado em 1962). Em vida, participou do VIII Salão Nacional de Arte Moderna (1959) e do Festival Universitário de Arte de Belo Horizonte (1960), no qual foi agraciado com o terceiro prêmio de gravura. Realizou sua primeira mostra individual no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1961. No ano seguinte, o mesmo museu realizou uma apresentação póstuma de sua obra, e um dos seus trabalhos foi incluído na I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em 1966 em Salvador. Sua produção é composta por um conjunto de xilogravuras cujo número não ultrapassa 50, dedicadas principalmente a temáticas relacionadas ao universo do candomblé. Destacam-se as representações de pejis (espaços sagrados onde se depositam os objetos rituais relacionados aos orixás) e das iaôs (sacerdotisas do candomblé, consagradas às divindades). Para o crítico Clarival do Prado Valladares, "sem o saber", Hélio de Oliveira "renovou a organização compositiva da 'natureza-morta', ao fazer na lâmina de madeira os pegis dos orixás, de intenso caráter místico e simbolismo. Renovou também o dificílimo problema da composição com figuras em cenas místicas.”.
Heitor dos Prazeres (Rio de Janeiro/RJ – 1898-1966)
Iniciou suas atividades como pintor autodidata a partir de 1937. Trabalhou como restaurador na Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro. Em 1943, fez parte da mostra em homenagem à Real Força Aérea Britânica em Londres (Inglaterra). Em 1951, ganhou o Prêmio Aquisição na I Bienal de Artes de São Paulo, com a obra A Moenda – atualmente integrada ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP (São Paulo) –, e expôs suas obras em uma Sala Especial na II Bienal (1953). Além de participar também das Bienais de 1961 (VI edição) e a de 1979 (XV edição). Realizou 6 exposições individuais, sendo que sua primeira foi realizada em 1959 e outras 7 póstumas (entre 1967 – 1984). Tanto no Brasil quanto no exterior Heitor dos Prazeres conquistou unanimidade em relação à qualidade de suas obras, sendo chamado para cerca de 30 mostras coletivas. As temáticas preferidas de suas pinturas era a vida cotidiana e as festividades que envolviam a música popular. Além de pintor, Heitor dos Prazeres também foi cenógrafo do Balé do IV Centenário, poeta, compositor e músico (tocava piano, violão e cavaquinho). Em parceria com o sambista Noel Rosa (1910-1937), compôs Pierrot Apaixonado, famosa marcha carnavalesca de 1935. Foi também um dos fundadores das primeiras escolas de samba cariocas (Estação Primeira de Mangueira e “Vai como Pode”, hoje Portela, na década de 20). É pai do multi-instrumentista Heitorzinho, que seguiu a trilha do samba herdado de seu pai.
José de Dome (José Antônio dos Santos) (Estância/SE, 1921 – Cabo Frio/RJ, 1982)
Pintor autodidata. Em razão de ser filho de uma tecelã chamada Dometila, ficou assim conhecido como José de Dome. Residiu em Salvador, onde conheceu Mário Cravo, Mirabeau e Carybé, que o incentivaram a desenvolver seu talento artístico. Sua primeira exposição, realizada em 1955, ocorreu no Belvedere da Sé, onde voltou a expor em 1956 e 1958. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1962, integrou-se aos meios artísticos cariocas. Tornou-se conhecido após uma exposição realizada na Galeria Goeldi, em 1964. Radicou-se em Cabo Frio, ambiente ideal para suas pinturas, e só ausentava-se da velha cidade colonial por ocasião de suas várias exposições, inclusive em Lima (1966), e em Londres (1971). Pintou a paisagem urbana de Salvador, crianças, prostitutas, peixes e corujas, flores, paisagens e marinhas.
Madalena dos Santos Reinbolt (Vitória da Conquista/BA, 1919 – Rio de Janeiro/RJ, 1977)
Aos 20 anos de idade, deixou sua terra natal para trabalhar como empregada doméstica em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro. Trabalhou também em Petrópolis como cozinheira de Elizabeth Bishop e Lota Macedo Soares, que a incentivou no ofício da tapeçaria quando a presenteou com as agulhas e linhas de lã com que fez suas primeiras peças.
Em depoimento a Lélia Coelho Frota, que analisou seu trabalho pela primeira vez no ensaio Mitopoética de nove artistas brasileiros (1975), referia-se aos seus “quadros de lã trabalhados com cento e cinquenta e quatro agulhas, que levam uma hora olhada no relógio para enfiar de diversas cores”. Assim, usava as cores como tintas de uma paleta em pinceladas sobre a estopa ou a talagarça e seu desenho nítido tem uma ordem inegável de ritmos e cores. Reatando os fios de uma memória ancestral, suas tapeçarias criam narrativas que se abrem para o tempo do sonho, da lenda e do mito. A temática rural é recorrente em suas obras.
Maria Lídia dos Santos Magliani - Pelotas RS 1946
Pintora, desenhista, gravadora, ilustradora, figurinista, cenógrafa. Reside em Porto Alegre desde 1950. Na década de 1960, cursa artes plásticas (1963/1967) e pós-graduação em pintura (1967/1968) na Escola de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Realiza sua primeira exposição individual em 1966, na Galeria Espaço. Em 1974, faz o curso de aperfeiçoamento em litografia, no Ateliê Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Participou de inúmeras mostras individuais e coletivas.
Segundo Márcio Martínez, Maria Lídia é uma artista “Avessa a comercialismos, em sua obra privilegia a figura humana: a luta e o dilaceramento da mulher, o homem e as privações da vida social, entre outros temas, são expressos de maneira pungente e radical. Realizou ilustrações para livros e jornais, cenários e figurinos para teatro.”- EXPRESSIONISMO no Brasil: heranças e afinidades. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1985.
Mestre Didi (Deoscóredes M. dos Santos) (Salvador/BA, 1917)
Fonte: Mestredidi.org
Escultor e sacerdote. Foi em 1925 que o menino de oito anos Deoscóredes foi iniciado no culto aos ancestrais (Egungun) da tradição iorubá na Ilha de Itaparica/BA. Carinhosamente tornou-se conhecido como “Mestre Didi”. É um herdeiro da grande tradição do reinado de Ketu, saber recebido da “vaidosa senhora de melindres e delicados gestos”, dona Maria Bibiana do Espírito Santo, mais conhecida como Mãe Senhora. Publicou vários livros sobre a cultura iorubá, cinco dos quais em parceria com a antropóloga Juana Elbein dos Santos, sua esposa.
Em 1964, realizou a primeira de suas várias exposições individuais realizadas tanto no Brasil quanto no exterior, incluindo, em 2009, Mestre Didi: o escultor do sagrado – homenagem aos 90 anos, no Museu Afro Brasil (São Paulo). São mais de 30 exposições coletivas, entre as quais Os herdeiros da noite (Pinacoteca do Estado de São Paulo/Centro de Cultura de Belo Horizonte-MG, 1995); Mostra do Redescobrimento (São Paulo, 2000) e Negras memórias, memórias de negros (Galeria de Arte SEIS-FIESP-SP, 2001/Museu Histórico Nacional-RJ, 2001/Palácio das Artes, Belo Horizonte/MG, 2003), Além disso, recebeu dezenas de homenagens e prêmios importantes como a Medalha Thomé de Souza/Câmara Municipal (Salvador/BA), recebida em 1995; a condecoração de Honra ao Mérito Cultural, grau de Comendador, Ministério da Cultura, em 1996; título de Dr. Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia, em 1999, entre outros.
“O artista Mestre Didi e “suas obras são como uma união de antiga sabedoria, a expressão viva da continuidade e da permanência histórica da criação de uma nova estética que une o presente ao passado, o antigo ao contemporâneo, a abstração à figuração, formas compostas ora como totens, ora como entrelaçadas curvas (...) suas esculturas, em sua interioridade, são uma relação entre o homem e o sacerdote que detém o espírito íntimo das coisas e de como elas se entrelaçam entre a sabedoria do sagrado e do profano”. Fazendo uso de materiais naturais como búzios, sementes, couro, nervuras e folhas de palmeira, etc., o artista possui uma obra de fôlego inesgotável e que se perpetua em constante renovação”.- Emanoel Araújo
Otávio Araújo (Terra Roxa/SP - 1926)
Pintor, gravador, desenhista, ilustrador e artista gráfico. Estudou pintura na Escola Profissional Masculina do Brás, em São Paulo. Projetou-se após a década de 1950 ao ser premiado um prêmio de viagem que o levou à China em 1957. De 1960 a 1968, residiu na União Soviética e absorveu o clima do surrealismo eslavo em voga entre os artistas dissidentes.
Trabalhando a lápis grafite ou a óleo, suas composições são povoadas por alegorias que remetem à Antiguidade e às suas memórias de infância cujas imagens se justapõem a um universo de situações oníricas. Tal universo, segundo o próprio artista, constitui-se de situações vivenciadas, objetos observados e obras admiradas.
Rubem Valentim - Salvador BA 1922 - São Paulo SP 1991
Escultor, pintor e gravador. Nasceu em 1922 em Salvador, numa família de poucos recursos, e foi o primeiro de 6 filhos. Cresceu tendo contato íntimo com a religiosidade sincrética afro-brasileira: sua família era católica, e Rubem Valentim fez primeira comunhão, e também frequentava terreiros de candomblé. Com o pai, participava de cerimônias em diversos terreiros de candomblé, tanto da tradição nagô-jeje quanto candomblés de caboclo: o de Tia Maci, no Engenho Velho, o de Mãe Menininha, do Gantois, o de Júlio Branco, no Bate-Folha, e o da Sabina. O artista relatou seu duplo deslumbramento e seu envolvimento estético tanto com o rito afro-brasileiro quanto com a imaginária católica das igrejas, das quais ele se lembrava especialmente dos santos barrocos.
Entre 1946 e 1947 participa do movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, com Mario Cravo Júnior (1923), Carlos Bastos (1925) e outros artistas. Em 1953 forma-se em jornalismo pela Universidade da Bahia e publica artigos sobre arte. Reside no Rio de Janeiro entre 1957 e 1963, onde se torna professor assistente de Carlos Cavalcanti no curso de história da arte, no Instituto de Belas Artes. Reside em Roma entre 1963 e 1966, com o prêmio viagem ao exterior, obtido no Salão Nacional de Arte Moderna - SNAM. Em 1966 participa do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, Senegal. Ao retornar ao Brasil, reside em Brasília e leciona pintura no Ateliê Livre do Instituto de Artes da Universidade de Brasília - UnB. Em 1972, faz um mural de mármore para o edifício-sede da Novacap em Brasília, considerado sua primeira obra pública. O crítico de arte Frederico Morais elabora em 1974 o audiovisual A Arte de Rubem Valentim. Em 1979, Valentim realiza escultura de concreto aparente, instalada na Praça da Sé, em São Paulo, definindo-a como o Marco Sincrético da Cultura Afro-Brasileira e, no mesmo ano e é designado, por uma comissão de críticos, para executar cinco medalhões de ouro, prata e bronze, para os quais recria símbolos afro-brasileiros para a Casa da Moeda do Brasil. Em 1998 o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA inaugura a Sala Especial Rubem Valentim no Parque de Esculturas.
Yêdamaria (Salvador/BA - 1932)
Graduou-se na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBa), onde em 1956 recebeu o prêmio Menção Honrosa no Salão Baiano de Artes Plásticas. Em 1972, ingressou no corpo docente da Escola de Belas Artes da UFBa, onde lecionou Desenho e Gravura. Em 1977, partiu para os Estados Unidos, tornou-se mestre pela Illinois State University.
Expôs em várias exposições individuais e coletivas, tais como A mão afro-brasileira (Museu de Arte Contemporânea, 1988), Primeira Bienal Nacional da Bahia (1966), Celebração da Cultura Latino-Americana no Museu de Ciência de Buffalo (EUA, 1990), Retrospectiva na Art Gallery of Califórnia State University, Northridge, Califórnia (EUA, 1991), Centro Cultural da Caixa Econômica Federal de Salvador (2000).
Destacou-se através da pintura e gravura, mas dedicou-se a outras técnicas como colagem, litografia e desenho. Sua temática primorosa passa pelas paisagens marinhas, sereias, naturezas mortas, influência de sua terra e da ancestralidade africana.
Novos Artistas Contemporâneos
Assim como no passado, os artistas afro-brasileiros atuais se ressentem de oportunidades, de espaços alternativos, de galerias de arte, que possam profissionalizá-los neste difícil mercado de arte. Desapareceram do país os chamados salões de arte, que eram uma porta para que artistas emergentes pudessem começar a penosa carreira de artista plástico no Brasil.
A grande imprensa retirou dos seus jornais a crítica de artes plásticas, que dava subsídio para contextualizar e fundamentar a produção de jovens artistas.
A arte contemporânea produzida pela mão afro-brasileira precisa estar representada no acervo e em exposições, já que esse Museu propõe atualizar conteúdos e expressões culturais afro-brasileiras servindo como espelho para o fortalecimento da auto- estima do público em geral, com ênfase nas crianças e nos jovens.
Por isso, é que se indicam obras de alguns dos novos artistas contemporâneos, muitos deles reconhecidos em exposições e ou prêmios internacionais para o acervo do Museu. São eles: Jorge Luiz dos Anjos, Rosana Paulino, Dias Paredes, Claudinei Roberto, Washington Silveira, Sidney Amaral e Tiago Gualberto.
Jorge Luis dos Anjos
Dos artistas citados acima, Jorge Luis dos Anjos, vive e trabalha em Belo Horizonte, sua escultórica em grandes formatos e diversos materiais, como pedra sabão, em aço carbono, ou em aço corten, caracteriza-se por criar uma geometria construtiva de inspiração totêmica africana, representada pela síntese que alcança nas obras vazadas com espaços negativos e positivos, espécies de placas vazadas, onde ele deixa fluir formas compostas umas sobre as outras, como um rendilhado ou em composições livres, arranjadas sobre uma forma primária que se desenvolve no espaço.
Rosana Paulino
Uma das poucas mulheres negras artista plástica no Brasil. Acompanho Rosana Paulino desde o começo da sua carreira, e a exponho nas mostras realizadas por mim no Brasil e no exterior, como na Bienal de Valência na Espanha. Seu trabalho se desenvolve numa busca por seus laços ancestrais, em reverência a sua família, onde as fotografias, impressas em pequenas almofadas, fazem ponte com a religião de raiz africana. Essa metáfora guarda a memória do passado e os patuás dedicados aos deuses africanos preservam uma identidade enquanto mulher negra ciosa de suas raízes.
Inquieta, suas gravuras atuais reforçam e aprofundam suas buscas de identidade e às vezes denunciam práticas como as amas de leite, usadas no período da escravidão, quando escravas alimentavam com seu leite os filhos dos senhores.
Dias Parede
Nascido em João Pessoa, Paraíba, integrou, em 1974, o grupo Jaguaribe Carne de Estudos. Entre 1985 e 1987, frequentou o ateliê do núcleo de Arte Contemporânea de João Pessoa.
Paredes é um desses pintores que tem prazer em pintar, suas largas pinceladas, sua escala de cor, tem uma harmonia dos grandes contrastes, criando uma abstração turbulenta, expressiva, expressionista. Às vezes esses seus grandes formatos sugerem figuras, objetos, animais, contudo é só uma ilusão de ótica. O que há mesmo é pintura, pura pintura revolta em ação e movimento.
Claudinei Roberto
Paulistano, um criador de assemblages, sua visão de mundo passa por uma reflexão misteriosa, ou por um universo misterioso onde suas construções deixam escapar um universo de coisas que se articulam numa expressão surrealista, de aprisionar em pequenas caixas um mundo de sensações subterrâneas curiosas, de quem constrói nesse micro laboratório de pesquisas, uma outra humanidade.
Washington Silveira
Curitibano, sua coerência alia as sensações do prazer da mesa e da arte. Ele é um criador de sensações materiais, ora ele cria diversas formas de sentimentos como num laboratório, suas instalações propõem um diálogo entre a natureza das coisas. As da natureza e aquelas criadas pelo homem em sempre difícil relação. A sensibilidade de Silveira está cravada na sutil observação desses diferentes contrastes. Participou de inúmeras mostras de arte no Brasil e no exterior.
Sidney Amaral
É outro provocador da materialidade dos objetos; em muitos dos seus trabalhos ele subverte a natureza das coisas, o frágil e o leve, pelo pesado e resistente, o efêmero pelo definitivo. Há nas suas propostas uma concepção que materializa no bronze, o que poderia ser plástico ou vice e versa, e com isso ele faz uma nova visualidade no julgamento dos seus objetos. Esse jogo em transformar seus objetos faz da sua proposta uma sempre original inquietação entre o público e a obra.
Thiago Gualberto
Artista mineiro sediado em São Paulo, é um fino e requintado gravador, de desenho refinado, seu fascínio pela figura humana foi explorado magnificamente numa instalação; imprimindo rostos sobre coadores industriais de café, aqueles rostos gravados em madeira alem de qualidade da xilogravura tinha um compromisso político, numa volta de uma das funções políticas das gravuras sobre madeira, em outras obras seu refinado olhar alfineta politicamente suas propostas artísticas.
Fotografia
Bauer Sá (Salvador/BA 1945)
Foi membro da equipe da BBC de Londres. Participou da publicação do livro Calalu, produzido por professores negros da Universidade de Virgínia. Expôs em mostras realizadas em Salvador/BA, Los Angeles e Nova Iorque (EUA).
Eustáquio Neves (Juatuba/MG 1955)
Fotógrafo autodidata. Dedicou-se a pesquisas etnográficas junto a comunidades negras, especialmente no tocante às festividades religiosas. Montou um estúdio fotográfico em 1987, em Belo Horizonte. Teve fotos publicadas no livro Cenas de um Belo Horizonte, editado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em 1994, e expôs no ano seguinte na mesma cidade. Viajou para Londres (Inglaterra) em 1996, onde ministrou workshops e expôs na mostra Novas Travessias: New Directions in Brazilian Photography. Publicou fotografias em diversas obras, tais como Eustáquio Neves Monograph; Contemporary Brazilian Photographer (Maria Luiza Mello); Afro Brasileiro (Revue Noire); Arturos em Londres; no jornal Estado de Minas e no catálogo da Coleção Pirelli/Masp de Fotografias. Participou em 1997 da 6ª Bienal de Havana. Em 1999, foi contemplado com o programa de residência da Gasworks Studios and Triangle Arts Trust. Recebeu cerca de oito prêmios, dentre os quais se destacam o Prêmio Marc Ferrez de Fotografias (Funarte, 1994); o Prêmio Nacional de Fotografia do Ministério da Cultura e Funarte (1997), o Grande Prêmio J. P. Morgan de Fotografia (1997) e o prêmio especial Porto Seguro Fotografia (2004).
Wagner Celestino São Paulo(1952, São Paulo, SP)
Fotógrafo há mais de 30 anos. Em 1998 publicou o livro Cortiços – a realidade que ninguém vê, em parceria com a ONG Associação Apoio/SP, retratando fielmente as condições sub-humanas de adultos e crianças. Esse trabalho é um dos mais prestigiados na carreira desse profissional que decidiu trocar a música pela fotografia. O Cinema e o Jornal da Tarde da década de 70 tiveram uma participação enorme para o início da vida fotográfica de Celestino, pois eram os únicos que davam uma importância a mais para a fotografia.
Em 2007 o Prêmio Tim de Música fez uma homenagem à Zé Kéti. As fotos exibidas durante a homenagem foram feitas por Wagner, que teve a oportunidade de fazer um trabalho sobre a última passagem de Zé por São Paulo.
Com a mesma força e dignidade que documenta o cotidiano dos cortiços, a sua fotografia também retrata os sambistas da Velha Guarda de São Paulo, num universo no qual a afirmação de identidade é expressão de valores culturais compartilhados. Participou de nove exposições e recebeu menção honrosa no Concurso Fotográfico Jornal Canja/Fotoptica, em 1980. O fotógrafo mora e trabalha em São Paulo.
Walter Firmo (Rio de Janeiro/RJ - 1937)
Fotógrafo, jornalista e professor. Autodidata, iniciou sua carreira como repórter fotográfico no jornal Última Hora, no Rio de Janeiro, em 1957. Em seguida, trabalhou no Jornal do Brasil e fez parte da primeira equipe da revista Realidade, lançada em 1965. Conquistou o Prêmio Esso de
Reportagem, em 1963, com a matéria Cem dias na Amazônia de ninguém. Foi correspondente da Editora Bloch, em 1967. A partir de 1971, atuou em publicidade e na indústria fonográfica. Reconhecido por suas fotos coloridas e por retratar importantes cantores da música brasileira, iniciou pesquisas sobre festas populares e folclore nacional. Entre 1973 e 1982, foi premiado sete vezes no Concurso Internacional de Fotografia da Nikon.
Fotografou para as revistas Veja e Istoé e, nos anos 1980, começou a expor seus trabalhos em galerias e museus. De 1986 a 1991, foi diretor do Instituto Nacional de Fotografia da Fundação Nacional de Arte (Funarte).
Em 1994, lecionou no curso de jornalismo da Faculdade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, e, desde então, vem coordenando oficinas em todo o Brasil. Ganhou a Bolsa de Artes do Banco Itaú, em 1998, com a qual viveu durante meio ano em Paris. No fim da década de 1990, foi editor de fotografia da revista "Caros Amigos". Dentre seus livros, convém destacar: Walter Firmo: antologia fotográfica (1989); Paris, Parada Sobre Imagens (2001); Rio de Janeiro: cores e sentimentos (2002), Firmo (2005); Brasil imagens da terra e do povo (2008).
A arte Sacra Católica e o Catolicismo Popular
Arte sacra e arte religiosa
Carlos A. C. Lemos
“A arte sacra é aquela qualificando as peças, também chamadas de alfaias,alusivas ao ritual católico, assim como as instalações apropriadas ao culto e às cerimônias, que vão desde o altar, o retábulo até a igreja e a capela curada, isto é, aquela aceita como apta ao uso litúrgico. Em resumo, a arte sacra é aquela que acompanha o rito, entre nós o rito católico [...].
Por outro lado, a arte religiosa estaria presente em todas as produções voltadas à afirmação da crença totalmente separadas do cabedal eclesiástico. Essa confirmação católica está expressa nas medalhas votivas; nos ex-votos; nas reproduções impressas ou esculpidas dos santos da Igreja para satisfazer devoções ou práticas domiciliares; nos terços ou rosários; nos crucifixos em variadas situações; nos bentinhos ou escapulários; nas ornamentações das ruas do itinerário das procissões etc., etc. Essa arte baseada na iconografia em geral ou na simbologia canônica, na prática social, pode se prestar a ilustrar exercidos de religiões diversas, sobretudo negras, caracterizando sincretismos do maior interesse. Inclusive não está fora de propósito a total laicização da temática religiosa católica transformada em modelo de meros adornos de bens da vida cotidiana.
Na prática, vemos que tanto a arte sacra como a dita arte religiosa podem ser exercidas por profissionais eruditos ou, então, saídas das mãos do povo. Em geral, na maioria das vezes, arte religiosa e arte popular confundem-se, ao contrário da arte sacra, sempre atrelada à sensibilidade do profissional competente e esclarecido das regras e dos procedimentos.”
In: LEMOS, Carlos A. C. Arte sacra e arte religiosa. In: MUSEU AFRO BRASIL. A divina inspiração sagrada e religiosa: sincretismos. São Paulo: 2008 (catálogo), p. 35-40.
As obras indicadas para integrar o acervo são, os santos negros: Santa Ifigênia, Santo Antônio do Cartigeró, Santo Elesbão; uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, além de um conjunto com diferentes representações da Santa; uma imagem de Nossa Senhora do Rosário e um conjunto de ex-votos, cuja importância se vê explicitada no texto do especialista Luiz Saia.
A arte dos ex-votos
Ao contrário da imaginária católica que, mesmo elitizada, constitui sempre uma representação naturalista de um todo necessariamente completo, como a figura de um santo, a escultura dos milagres tem características plásticas que revelam nítidas marcas de sua origem afro-brasileira. Por um lado, seus cânones estéticos traduzem uma concepção de representação própria às culturas africanas, sendo criadas com base em um compromisso com um esquema representativo, e não com a reprodução de um modelo. Trata-se de um esquema simbólico que, partindo de elementos mais ou menos fixos e invariáveis, apresenta, no entanto, uma variedade infinita de interpretações plásticas.
Por outro lado, algumas de suas soluções técnicas são também constantes na escultura africana: o corte transversal da figura; o nariz que, alongando-se, torna-se o eixo diretor do conjunto; o reducionismo “cubista” que leva a uma simplificação purista das formas a serem representadas de maneira simbólica; o olho em baixo-relevo; a fixação ideográfica dos detalhes anatômicos como olho, sobrancelha, orelha; a pintura utilizada não como cópia da natureza, mas para marcar como representação esquemática a noção que se deve fixar, como as doenças da pele, que são assim representadas.
Por fim, a predominância da representação da cabeça nos ex-votos associa-se à concepção corrente entre culturas ditas “primitivas”, não-ocidentais, de que a doença, sempre causada por um agente externo maléfico, não precisa manifestar-se em uma parte específica do corpo, mas pode atingir de um modo geral a saúde e a vida de uma pessoa, como no caso da loucura, ou mesmo do mau-olhado e das desgraças, igualmente considerados doenças e tratados como tais. São essas características plásticas que revelam nos milagres não a influência da tradição da devoção católica, mas uma expressão do sagrado que deriva de uma imaginário afro-brasileiro.
Embora do ponto de vista cultural os milagres, como são chamados dos ex-votos brasileiros esculpidos em madeira, estejam inseridos na tradição católica, não se pode classificá-los como forma de arte religiosa e menos ainda como arte católica. Trata-se de uma forma de escultura de tipo mágico pelo seu uso, autenticamente mestiça como fenômeno de arte e de tradição técnica afro-negra pela sua origem. Consistindo em representações do corpo humano, partes dele ou mesmo de seus órgãos internos, eles podem ser encontrados sobretudo no Nordeste, depositados em lugares considerados sagrados por pessoas afetadas por doenças que foram curadas.
Os locais onde são encontrados, em geral ao pé de cruzeiros ou em lapas, revelam a natureza mágica da operação que está na sua origem: ali se deu algum acontecimento trágico, como uma morte violenta ou cruel, que terá deixado sem descanso a alma do morto, necessitando de rezas e oferendas para encontrar a paz. Daí o costume de erigirem-se cruzes nesses locais, os cruzeiros de acontecimento, que procuram aplacar no espírito do falecido os sentimentos de terror ou ódio que poderiam levá-lo a praticar o mal, por vingança.
Como a doença é popularmente atribuída à intervenção de uma força exterior maléfica, representar a parte do corpo por ela afetada constitui um ato mágico pelo qual ali se aprisiona a doença, transferindo-a do corpo para a sua representação. Ao ser depositada aos pés de um cruzeiro de acontecido, a imagem será, portanto, colocada sob a proteção da alma do morto que ali encontrou seu fim e que, apaziguada agora, se encarregará de proteger o milagre, para que a doença nele representada não mais volte a acometer o corpo daquele que, curado, mandou esculpir o ex-voto em sinal de gratidão.
A arte dos ex-votos. In: MUSEU AFRO BRASIL. Museu Afro Brasil: um conceito em perspectiva. São Paulo: 2006 (catálogo), p. 161.
Joias
Os textos a seguir sinalizam a importância das jóias crioulas e dos balangandãs como integrantes do cotidiano e da memória histórica e cultural afro brasileira:
Joias crioulas são adornos compostos por balangandãs, colares de bolas de renda de metal, elos ou alianças, pulseiras tipo “copo”, brincos em formato de argola ou “pitanga”, anéis e outros adereços exuberantes. São jóias afro-brasileiras confeccionadas, por hábeis ourives, em ouro, prata, coral, marfim, pedras, contas coloridas e outros materiais. Eram usadas pelas negras alforriadas ou por “crioulas” (escravas domésticas nascidas no Brasil) cujos senhores “enfeitavam” com o intuito ostentar publicamente seu status social e fortuna pelas ruas de Salvador e/ou em ocasiões especiais e solenes. Também compõe o traje de beca (saia plissada, camisa bordada em richelieu, xale, turbante) usado nos festejos das mulheres da Irmandade da Boa Morte (Cachoeira/BA).
Balangandãs são jóias compostas por um conjunto de miniaturas detalhadamente trabalhadas em ouro, prata, marfim, coral, pedras, madeira e outros materiais. Molhos ou pencas de balangandãs reúnem elementos variados cujas origens podem ser africanas, européias ou brasileiras. Presas de animais, medalhinhas, búzios, moedas, cachos de uva, romãs, abacaxis, pandeiros, bolas de louça, ex-votos, galos, peixes, símbolos católicos e do candomblé, entre outros ornamentos, são agrupados em uma nave, broche ou alfinete. Este serve como suporte para o encaixe das miniaturas que integram a penca e fica preso numa tira de pano ou num correntão de prata que, disposto em diagonal, do pescoço até a cintura feminina, deixava-o aí pendente. Muitos exemplares possuem correntões terminados por chaves ou figas.
Entre as muitas miniaturas conhecidas, a figa, traz sorte; o galo, símbolo católico que anuncia o dia que nasce, representa a renovação; a romã simboliza a fertilidade e a prosperidade. Essa jóia crioula ficou conhecida como balangandã pelo som que fazia durante o sacolejar das quituteiras, negras de ganho ou do tabuleiro que circulavam pelas ruas e praças vendendo acarajé, abará, cocada... Mas, a palavra tem origem nos termos bantos bulanganga (balouçar, balançar) ou mbalanganga (penduricalhos). Em suas litografias, Debret retrata negras de ganho no Rio de Janeiro portando amuletos dispostos na cintura. Todavia, era um adorno comum entre escravas e alforriadas da Bahia e pouco utilizados em outras regiões do país. Exibidas especialmente em dias de festa, as pencas também eram usadas como enfeites decorativos, lembranças ou amuletos contra mau-olhado, inveja, acidentes, males do corpo, entre outras forças adversas e indesejadas.
